sábado, 14 de maio de 2011

contos bons de ler!


 2007 (14)

a rola (conto gay interiorano)



‘Essa é pra matar’. Toda vez que alguém passava debaixo da nossa janela, a gente proferia essas palavras e rezava pra ser mesmo. Mas nunca conseguimos matar ninguém (o que era terrível, porque a gente tinha que provar de algum jeito pra mamãe que aquele dinheiro todo que a gente pedia pra comprar vaso de barro, não era dinheiro jogado fora; só que não adiantava: a gente não tinha pontaria e a mamãe botou na cabeça que éramos todos ‘lúzers’ e não havia santo que fizesse a desgraçada mudar de opinião).

A gente então foi crescendo e descobrindo outras coisas pra preencher nossas tardes. Uma dessas descobertas aconteceu de forma inusitada: estávamos eu, o Tomé e o Geraldo a pensar na vida numa tarde modorrenta de verão, quando passou a Tetéia toda vaporosa pela rua (porque era verão, afinal de contas) e piscou pra gente.
‘Olha lá, Tomé seu filha da puta! A Tetéia piscou procê!’
‘Magina, qual o quê! Cêis tão tudo lôco! Má nunca que a Tetéia ia piscá pra mim!’
‘Oxe! Té parece que num sabe da fama que ocê carrega na cidade!’
‘Que fama? Fama di quê?’
‘Ói Tomé: num se faiz de tonto não porque num adianta. Todo mundo aqui sabe que ocê é mais pintudo que jumento de Itu. Mostra aí pra gente, ô Tomé’.
E foi assim que a gente viu pela primeira vez na nossa vida uma jeba daquele porte –mais parecia um minhocoçu adulto! Mas antes que o caro leitor faça mal juízo de mim mais o Geraldo, a gente não se divertia com o instrumento do Tomé. Não diretamente. O que a gente descobriu naquela tarde era que podia ser muito divertido presenciar (de fora) aquele bife do demo em ação judiando da Tetéia e de quem mais quisesse ser judiada. Tá certo que não era muito justa a nossa posição, afinal de contas o que antes era uma atividade democrática entre nós três (o hábito de tentar matar os transeuntes) agora passou a ser uma ação que privilegiava apenas o Tomé. Segundo o Geraldo, essa divisão era mais do que justa porque se a gente juntasse o cumprimento de nossos pintos, não chegava nem na metade do do Tomé.
‘Puta Geraldo, como ocê é conformado na vida não? Assim num vai rolá é nada procê nesse mundo’
‘Ara, me deixa!’

Ao mesmo tempo que a gente se divertia com as peripécias da jeba do Tomé nas donas em fogo alto, minhas orações ao pé da cama toda noite eram pra Jesus Cristinho ter piedade de nós e aumentar as nossas medidas em alguns centímetros (eu incluía o Geraldo nessas súplicas porque sabia que se, por acaso, Jesus resolvesse atender aos meus chamados, o Geraldo não ia suportar ser deixado pra trás e muito provavelmente cometeria uma loucura), então eu rezo toda noite por mim e pelo Geraldo.
O tempo passava bem devagarinho –como pra todo mundo nessa idade- e o Tomé ia ficando cada vez melhor no judiar das donas. À essa época, o leque de opções do rapaz havia aumentado tanto que a gente só via a Tetéia de quinze em quinze dias mais ou menos. O que era uma pena porque nenhuma das novas beneficiárias era tão graciosa quanto a doce Tetéia.

Um dia resolvi que também era hora de me aventurar pelas artes do amor carnal. Óbvio que não poderia ser com nenhuma das titulares do Tomé porque eu seria humilhado e achincalhado em praça pública, e todos saberiam da piada que deus pregou em mim quando eu nasci assim todo garboso (e em nada parecido com o bestalhão do Tomé). Saibam todos que eu passei boa parte da minha vida tentando me convencer de que, no final das contas, eu era muito mais abençoado e sortudo que o Tomé, porque deus me deu inteligência e beleza pra compensar a falta daquela tora descomunal que o asno e horrendo do Tomé ostentava no meio das pernas. Mas toda e qualquer auto-estima ia pro saco quando me dava conta de que era o asno que traçava a Tetéia e não eu, com toda a minha graça e formosura.

Então, fui tentar a sorte no puteiro da Ermengarda. A Ermengarda é daquela cafetinas de meia-idade que já viu de tudo na vida e não se impressiona mais com nada. Obviamente que isso não me aliviou o sofrimento e resolvi esconder minhas partes pudendas o máximo que pude. Pedi que apagasse a luz e disse assim no ouvido dela: ‘Ermengarda, Ermengarda, eu sei que tamanho não é documento mas você prefere pintão ou pintinho?’
‘Olha minha criança (era assim que ela se referia aos seus clientes, independente da idade do cidadão), eu, na atual conjuntura da minha buceta, vou te dizer que prefiro os pintudinhos porque se for muito modesto o patrimônio do rapaz, eu não sinto mais é nada!’ Ai, aquela sinceridade toda me tirou o chão. Não consegui pensar em mais nada e o que já era pequeno ficou menor ainda. Voltei pra casa derrotado e, pior, virgem!
Mas esse revés teve seu lado positivo: fiquei muito mais firme nas minha orações e pedia, cada vez com mais devoção, pra que deus me presenteasse com alguns centímetros a mais.
‘Olha meu Jesus Cristinho, vamos fazer assim: sempre pratico o bem e gostaria que isso se revertesse em centímetros pro meu pau, parece razoável?’
Puxa vida, queria tanto que Jesus respondesse ato contínuo às nossas preces... Seria tudo tão mais agradável e garanto que não haveria o número de descrentes que há nesse mundo!

Numa manhã de inverno, o Geraldo bateu à minha porta todo eufórico com uma notícia pra lá de bombástica:
‘Cara, cê num sabe! O Tomé descobriu que ele é fruta e vai fazer a operação!’
‘Fruta? Que que é fruta?’
‘Fruta, ara! Fruta, boiola, que atende pela porta dos fundo, viadão!’
‘Ah vá!’
‘Tô dizendo!’
‘Mas que negócio é isso de operação?’
‘Ele vai entrá na faca, vai tirá a jeba fora!’
‘E o que vai ser da jeba?’
‘E eu sei? Deve ir pro lixo!’
‘Judiêra sô!’
‘Pois é’.

O Tomé de fato tinha virado a casaca. Descobriu que tava cada vez mais difícil deixar aquela preciosidade em posição de ataque e, pior, descobriu que a causa do problema não era física, mas mental. Era só substituir a imagem da Tetéia embaixo dele pela do Serafim (que vinha a ser o borracheiro da nossa cidade) que tudo ia às mil maravilhas. O problema era que o Serafim era totalmente contra esse negócio de boiolagem e disse que ‘essa tal de jeba pode fazer muito sucesso com as dona em brasa do bairro mas que no rabo dele aquilo não ia entrar nem fudendo, aliás, nada ia entrar no rabo dele nem fudendo!’. E assim, o Tomé se rendeu ao seu novo amor e resolveu cortar o mal pela raíz. Literalmente.
‘Puxa Tomé, mas que decisão corajosa ocê tomô né?’
‘É, pelo Serafim eu corto tudo fora...é só ele pedir’
‘Mas, vem cá, o que cê vai fazer com essa carne toda que cê vai tirar de ocê?’
‘Ai sei lá, se eu pudesse eu guardava num vidro de maionese mas o Serafim é contra. Então eu acho que vai pro lixão mesmo’
‘Judiêra sô!’

Ah mas aquele tesouro não ia apodrecer no lixão nem a pau! Como burro eu nunca fui, já tinha um plano arquitetado na minha cabeça quando saí da casa do Tomé. Mas eu precisava de uma ajuda que viria obviamente do Geraldo.
‘Geraldo, seguinte: eu tenho um plano que vai deixá tanto ocê quanto eu bem feliz. Eu sei que ocê também acha uma judiação deixar aquele pedação de carne, que tanto faz falta pra gente, apodrecer num lixão pros urubu comê, num acha?’
‘Ah é né? Eu acho que é até pecado desperdiçá um troço daqueles enquanto a gente num tem nem pro gasto’
‘Ai que bom que ocê pensa que nem eu, Geraldinho! Então eu tenho um plano pra livrá o Tomé das garra do demo e também pra fazê um favorzão pra nóis dois. Qué ouví?’
‘Craro!’

No dia e na hora da cirurgia, o nosso plano já tava todo montado. O Geraldo ficava de vigília do lado de fora do hospital e eu me prontifiquei a ficar do lado do paciente durante todo o processo (já que a família não quis nem saber dessa decisão, digamos, excêntrica do Tomé). Assim que todos entraram na sala de cirurgia (inclusive eu), senti que a coisa ia ser brava –não posso ver sangue que começo a ter vertigens. Mas me fiz de durão e, no momento da tesourada crucial, tossi. Tossi colpulsiva e convulsivamente; quase deixei meus pulmões sobre a mesa de trabalho. Uma vez chamada a atenção do doutor Menezes e das suas enfermeiras Marilene e Mariangela, vupt, embolsei aquela preciosidade de carne ainda fresca e pulsante pra dentro do jaleco. Como não tinha tempo a perder, tratei de sair de lá rapidamente e o depositei num aquário repleto de gelo previamente arranjado.
O segundo passo seria ainda mais arriscado. Tive que forçar o Geraldo a convencer um primo seu que era farmacêutico a dividir a porção da jeba em duas partes iguais e consumar o transplante. Devo dizer que não foi nada fácil. O farmacêutico –Tonico- não primava pelos bons modos nem pela higiene. Assoava o nariz em tudo e não dava a mínima pros sentimentos alheios. Assim que chegamos à farmácia, o Tonico foi logo dizendo pro Geraldo:
‘Mas que coisa hein! Que ocê era mal-servido eu já sabia, agora que tinha mais gente no mundo desgraçada que nem ocê pra mim é novidade!’
‘Guarde suas impressões procê Tonico, porque dessa vez eu vô te pagá e num vai sê pôco! Tu vai me implantá metade desse pinto e a ôtra metade no meu amigo Alcides’
‘Me pagando tá tudo certo, meu primo...vô te deixá com um pintão de dá gosto! Mas quem vai ficá com a cabecinha?’
Boa pergunta. Tantos detalhes e esse passou batido –o pinto podia ser gigante mas não era dois, portanto só havia uma cabeça pra dois transplantados. Ai que dilema esse!
Pelo sim, pelo não, resolvi manter a minha velha cabecinha e doei a nova pro Geraldo.
A operação aconteceu sem maiores contratempos, a não ser pelo fato de que o novo membro simplesmente engolia nossos velhos e por isso, passamos a chamá-lo de ‘jaquetão’. Pois então, nossos jaquetões já eram parte integrante de nós mesmos e daqui a poucas semanas poderíamos fazer total usufruto dessa magnífica aquisição!
A recuperação foi tranquila e na hora de testar nossas novas máquinas, o nervosismo era tão grande que quase que não conseguimos fazer bonito. Mas graças a deus a Marilene e a Mariangela foram compreensivas e carinhosas e fizeram tudo certinho –pra quem não se lembra, a Marilene e a Mariangela eram as enfermeiras do doutor Menezes.
Assim que começou o processo de convalescência, as duas irmãs se prontificaram a não deixar que nada nos faltasse (física e espiritualmente). Era tanto mimo que eu mais o Geraldo ficávamos até querendo que os ‘jaquetões’ não funcionassem tão cedo. Tudo era tão gostoso e elas tão amorosas que nossas vidas pareciam um mar de rosas.

‘Ops Mariangela, cuidado com a jebona! Num faiz assim tão brusco senão rompe!’
‘Mas eu só encostei os dentes’
‘Então num vai mais botá na boca até aprendê a fazê direito!’

Depois de um tempo só nas delícias que um pintão pode proporcionar a um homem, fui ficando desgostoso, desgostoso, até que nada, mas nada em absoluto me fazia feliz. Nem a idéia da jebona tinindo de nova, nem o fato de que agora as mulheres me amavam incondicionalmente me moviam pra frente. Queria algo novo na vida, algo mais construtivo e salutar. Foi então que resolvi me casar com a Mariângela -que há muito não me dava mais prazer-e fiquei assim: comedido e conformado.
Na véspera do casamento, o Geraldo veio me visitar e disse que também não sentia mais aquela sensação gostosa do começo com a Marilene.
‘Puxa meu amigo, eu num sei o que aconteceu. Fui ficando fraco, desanimado e daí resorvi procurá o Tonico que pode sê uma besta quadrada mas é farmacêutico e sabe das coisa, daí sabe o que ele me falô? falô que isso é anemia, cê acredita? anemia das braba porque o meu corpo num tava acostumado com aquela coisa no meio das perna e num tinha sangue suficiente pra bombá aquele guindaste...xii Alcides, ocê deve tá com anemia também né?’
‘Ah bobagem, Geraldo! Essas coisa num acontece com macho que nem nóis!’
‘Mas é que aconteceu uma coisa esquisita, Alcides... cê lembra do Serafim, aquele que virô a cabeça do Tomé? Então, rolô’
‘Rolô? Como rolô?’
‘Ué, rolô...ele veio vindo, veio vindo falando umas coisa no meu ouvido e daí rolô’
‘Cruz credo Geraldo!’
‘Então, eu também pensei isso na hora, mas rolô do mesmo jeito... daí foi que eu percebi que aquele negócio de anemia era tudo balela, porque com o Serafim vindo por trás a jebona ficô do tamanho da minha coxa, rapaz!’
‘Meu Jesus Cristinho! Tô de queixo caído!’
‘É, se eu fosse ocê também tentava’
‘Mas eu tô de casamento marcado’
‘Sei lá, isso é com ocê né?’

Aquela noite foi terrível. Fiquei acordado a noite inteira pensando ora no que o Geraldo me disse, ora na Mariangela, ora no Serafim. ‘Mas será o benedito que eu tenho que passar por isso mesmo?’

Tive. E vou confessar que não me arrependo. O Serafim compreendeu tudinho e não me perguntou nada além do que eu podia responder. Já a Mariangela...tadinha, acho que ela ficou meio magoada com a situação toda e resolveu se entender com o Tonico –o primo machão do Geraldo.
Hoje eu vivo uma vidinha pacata aqui no sul na companhia do Geraldo, meu amigo de velha data. Obviamente a gente não se ama (é só uma questão de amizade sincera) mas nós dois achamos que a convivência e a perspectiva de um futuro em comum vai fazer com que o amor surja naturalmente como uma flor que brota de tanto regar a terra morta.
‘Que Jesus Cristinho nos ouça, né Geraldo?’
‘É meu amor!’.

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